Marilena Chauí e seu discurso sobre a relação entre a psicanálise e os contos de fada
(Do livro: Repressão sexual: essa nossa (des)conhecida, Marilena Chauí, Ed. Brasiliense, 1984, pág. 32-54)
(...) Poderíamos considerar que numa sociedade como a nossa, que dessacralizou a realidade e eliminou quase todos os ritos, os contos funcionam como espécie de "rito de passagem" antecipado. Isto é, não só auxiliam a criança a lidar com o presente, mas ainda a preparam para o que está por vir, a futura separação de seu mundo familiar e a entrada no universo dos adultos.
Do ponto de vista da repressão sexual, os contos são interessantes porque são ambíguos. Por um lado, possuem um aspecto lúdico e liberador ao deixarem vir á tona desejos, fantasias, manifestações da sexualidade infantil, oferecendo à criança recursos para lidar com eles no imaginário; por outro lado, possuem um aspecto pedagógico que reforça os padrões da repressão sexual vigente, uma vez que orientam a criança para desejos apresentados como permitidos ou lícitos, narram as punições a que estão sujeitos os transgressores e prescrevem o momento em que a sexualidade genital deve ser aceita, qual sua forma correta ou normal. Reforçam, dessa maneira, inúmeros estereótipos da feminilidade e da masculinidade, ainda que, se tomarmos os contos em conjunto, os embaralhem bastante.
Se a psicanálise estiver certa ao diferenciar fases da sexualidade infantil, podemos observar que a repressão atua nos contos seguindo essas fases: as crianças são punidas se muito gulosas (fase oral), se perdulárias ou avarentas (fase anal), se muito curiosas (fase fálica ou genital). Em certo sentido, os contos operam com a divisão estabelecida por Freud, entre o princípio do prazer (excesso de gula, de avareza ou desperdício, de curiosidade) e o princípio de realidade (aprender a protelar o prazer, a discriminar os afetos e condutas, a moderar os impulsos).
Para facilitar a exposição, vamos dividir os contos em dois grandes "tipos":