March do gigante
Apoiado na cerca que limitava seu pasto, Cassandro adivinhava figuras entre as nuvens.
- E pensar que eu já fiz chover – disse consigo mesmo.
Acreditava realmente nisso.
Fora numa tarde quente de março. A seca castigava a plantação. - Todos os anos, no dia de São José, chove nesta maldita fazenda. Por que não agora? – As nuvens começaram a se formar ao longe.
- Vai passar beirando, patrão, mas aqui não cai – disse um peão.
Cassandro fixou o olhar no céu, enquanto descrevia na imaginação o caminho que as nuvens deveriam seguir. Era como se as tivesse agarrado com os olhos e as quisesse levar para onde bem entendesse. Ora seguia o capricho da natureza, ora a natureza lhe fazia concessões. Nessa luta ilusória, já não sabia quem controlava quem: se a chuva a ele, se ele a chuva. Imaginava-se montado num touro bravo. Puxava de um lado e de outro, num esforço sobre-humano; quando sentia suas forças minguarem, cedia e deixava o touro se cansar debatendo-se. Era
1
o tempo necessário para se recuperar e voltar à contenda. De repente, achou ter visto mesmo a figura de um touro no céu; o vento soprava forte e o animal foi se desfazendo aos poucos.
Primeiro uma perna, depois as ancas; logo a cabeça desprendeuse e foi então que a chuva caiu.
- Eu já fiz chover – repetiu.
Mas agora, na tarde quente de novembro, eram poucas as nuvens no céu. Tentou entrever alguma figura enquanto calculava mentalmente o lucro do ano. Primeiro pareceu ter visto uma mão crispada; depois, o busto portentoso de um deus ou gigante mitológico engolindo um cãozinho indefeso e impotente.
- Como será isso de ser engolido por um deus? - perguntou-se.
No pasto amplo que se estendia até onde a vista alcançava, ele mesmo sentiu-se um deus. Pensou que ser deus era aquilo mesmo: ter um mundo sob os pés; um mundo tão grande que não se pode abarcar com os olhos.
- Até quando, até quando...?
Atravessou a cerca, para o lado de dentro, onde pastavam as