Mar Bravo
1 Mar que ouvi sempre cantar murmúrios
2 Na doce queixa das elegias,
3 Como se fosses, nas tardes frias
4 De tons purpúreos,
5 A voz das minhas melancolias:
6 Com que delícia neste infortúnio,
7 Com que selvagem, profundo gozo,
8 Hoje te vejo bater raivoso,
9 Na maré-cheia de novilúnio,
10 Mar rumoroso!
11 Com que amargura mordes a areia,
12 Cuspindo a baba da acre salsugem,
13 No torvelinho de ondas que rugem
14 Na maré-cheia,
15 Mar de sargaços e de amarugem!
16 As minhas cóleras homicidas,
17 Meus velhos ódios de iconoclasta,
18 Quedam-se absortos diante da vasta,
19 Pérfida vaga que tudo arrasta,
20 Mar que intimidas!
21 Em tuas ondas precipitadas,
22 Onde flamejam lampejos ruivos,
23 Gemem sereias despedaçadas,
24 Em longos uivos
25 Multiplicados pelas quebradas.
26 Mar que arremetes, mas que não cansas,
27 Mar de blasfêmias e de vinganças,
28 Como te invejo! Dentro em meu peito
29 Eu trago um pântano insatisfeito
30 De corrompidas desesperanças!
Comentário
O poema é constituído por seis estrofes, cada uma com cinco versos, portanto ele não apresenta uma forma fixa, visto que o autor participou da primeira fase do Modernismo.
Os versos apresentam nove sílabas métricas, com exceção do quarto ou quinto verso das cinco primeiras estrofes, que apresentam quatro sílabas. No caso, os versos 4, 10, 14, 20, 24. Na última estrofe, todos os versos possuem nove sílabas.
Para melhor entender:
4 De| tons| pur| pú| (reos),
10 Mar| ru| mo| ro| (so)!
14 Na| ma| ré-| chei| (a),
20 Mar| que in| ti| mi| (das)!
ÚLTIMA ESTROFE:
26 Mar| que a| rre| me| tes|, mas| que| não| can| (sas),
27 Mar| de| blas| fê| mias| e| de| vin| gan| (ças),
28 Co| mo te| in| ve| jo!| Den| tro em| meu| pei| (to)
29 Eu| tra| go um| pân| ta| no in| sa| tis| fei|