Manual de identidade
Hipervisibilidade
“@alexia: Teríamos vivido vidas diferentes se soubéssemos que um dia elas poderiam ser vasculhadas.”
Alexia Tsotsis, 30 de outubro de 200
Um homem que é sua própria imagem
Alfred Hitchcock, que nunca se referiu aos filmes como movies, mas como pictures, disse certa vez que por trás de todo filme bom havia um grande cadáver. Hitchcock – velho mestre em ressuscitar os mortos em filmes como Um corpo que cai (Vertigo), sua aterradora produção de 958 sobre o caso amoroso de um homem com um cadáver – estava certo. A verdade é que um grande cadáver cria um quadro tão bom que pode ajudar até a dar vida a um livro de não ficção como este.
Por trás deste livro está o cadáver mais visível do século XIX – o corpo do filósofo utilitarista Jeremy Bentham, um morto que tem vivido em público desde seu falecimento em junho de 832.1
Buscando imortalizar sua reputação com o qualificativo de “benfeitor da raça humana”, que atribuiu a si mesmo, Bentham deixou seu corpo e
“Dapple”, sua bengala favorita, para o University College de Londres, com a orientação de que deveriam ser expostos de forma permanente numa caixa de madeira com porta de vidro que ele chamou de “Autoícone” – neologismo para “um homem que é sua própria imagem”.2
A busca de atenção de Bentham hoje continua em exposição dentro de uma caixa pública que, segundo a estimativa de Aldous Huxley, autor de Admirável mundo novo, é maior que uma cabine telefônica – porém menor que um banheiro químico.3 Hoje ele e Dapple estão num corredor, no claustro sul do prédio Bloomsbury do University College, na Gower
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Vertigem digital
Street, estrategicamente localizados para serem vistos por todos que trafegam nesse movimentado campus metropolitano. Portanto, Bentham, que acreditava ser “a pessoa efetivamente mais bondosa” que já existiu,4 hoje nunca está sozinho. Por assim dizer, ele eliminou sua própria solidão.
A ideia deste livro surgiu pela primeira vez