manifesto comunista
RACHEL DE QUEIROZ
EsTE ROMANCE de Antônio Sales, Aves de arribação, além do lugar muito especial que merece na literatura brasileira, pela sua alta categoria, tem uma originalidade, em se tratando de romance nor destino e, mais que nordestino, cearense. É um livro que, passado todo no interior do Ceará, não diz uma palavra sobre seca! As paisa gens que descreve são sempre as verdes campinas, os riachos corren do, os tabuleiros em flor. Nada do Ceará esquelético e faminto, o
Ceará das secas e dos retirantes.
E o mais curioso de tudo é que esse Ceará de Antônio Sales não apenas existe, como existe mais constante e realmente que o outro, o Ceará dramático dos tempos do flagelo. Porque é pre ciso não esquecer que a seca é uma incidência esporádica, felizmente espaçada em lustros ou em décadas. E já houve períodos abençoados de mais de dez anos sem seca.
O Ceará real e cotidiano - pelo menos nos meses de inverno
- é aquele verde Ceará de Aves de arribação, e nem seria possível a existência do povo, nem a nossa província teria condições de so brevivência, se a sua constante fosse a seca e não o verde. A tragédia ocorre por espaços, como ocorre a morte numa casa de família. O clima da normalidade é ameno e o povo no dia-a-dia são aqueles indivíduos descuidosos que fazem a história do romancista; a des graça é que os enrija e lhes acera a fibra, criando aquele tipo de resistência obstinada, capaz de absorver uma cota de provação quase acima da natureza humana.
Ah, é difícil fazer compreender aos outros brasileiros que a raiz do nosso apego à terra do Nordeste não está só no contraditório amor que nos prende à mãe trágica, mas também no doce amor nascido no regaço da fartura, da beleza e da alegria! As convulsões, quando chegam, encontram esse alicerce de lembranças felizes e a segurança da recuperação. E, assim, ninguém estranhe nem su ponha que está sendo levado a um Nordeste otimista e imaginário,
quando