Magia da vida
Myles encolheu-se sob a manta grossa de pele, puxou o capuz sobre o nariz, engoliu a bile que emergia e fez o possível para não tomar conhecimento do mal-estar pro¬vocado pela alimentação servida na taverna. Raramente tinha problema de estômago e aquele não era o momento ideal para desvendar se a causa era ou não a qualidade da comida escocesa que viera para sua mesa. Nunca havia enfrentado condições tão adversas. A ventania terrível era responsável por uma saraivada de neve e chuva que cobrira a região com uma grossa camada branca, tornando ainda mais difícil encontrar o caminho. Não poderia su¬cumbir à forte indisposição que o acometia. Se caísse do cavalo, seria o fim.
Estremeceu. Apesar das várias camadas de lã, de duas calças justas que pareciam ridículas sob o kilt, a saia es¬cocesa pregueada, e de duas capas de pele, Myles ainda tremia. Franziu a testa e tornou a estremecer quando os flocos de neve derretidos pingaram no lábio superior.
Não deveria ter perdido tempo amolando a adaga e raspando a barba na noite anterior. Não deveria ter partido ― sorria para si mesmo ― e deixado para trás o que restara de sua Guarda de Honra. Oito camaradas feridos, gemendo, amontoados. Na verdade, os havia abandonado naquela manhã, e com satisfação, aos cui¬dados do taverneiro.
O que naquela altura lhe parecia uma estupidez tão grande quanto a aventura em que se arriscara. Qual noi¬va desejaria um homem que viesse sem convite, sem ter sido anunciado, sem acompanhamento e desmaiando de fraqueza?
Certamente não a jovem a quem seu pai lhe ordenara apresentar-se. Myles também não a desejava para esposa. Aliás, qual homem haveria de querer a herdeira dos Eschon, que levaria para o casamento a Fortaleza Eschoncan, pro¬priedade que ladeava Eschon Fells, a parte rochosa de Dumfries e a grande extensão da costa que pertencia à família? A dama ainda era virgem apesar da idade ― vinte e quatro anos ― porque os