Machado de Assis a segunda vida
Amedrontado com a loucura de José Maria, monsenhor Caldas interrompe a narração para pedir que o preto-velho, João, chame a polícia. A interrupção é tão abrupta quanto o início do conto. O que vemos é a narrativa dentro da narrativa, construída pelo diálogo entre Caldas e o protagonista. Desse modo, ao leitor se mostram dois narradores: um “oficial”, e o outro “delirante”.
Como Orfeu, que graças ao acorde de sua lira conseguiu a façanha de retornar do
Hades – a morada dos mortos –, José Maria, narra as desventuras de sua “segunda vida”. Após vagar pelo espaço, ele é surpreendido pela notícia de que sua alma é a de número mil; por isso, ele deve voltar à Terra para uma nova vida.
Contrariado por achar que sofrera com a inexperiência em sua vida anterior, José
Maria dispensa a liberdade que lhe é concedida: “podia nascer príncipe ou condutor de ônibus”; e lembrando as palavras do pai, “quem me dera aquela idade, sabendo o que sei hoje”, diz que lhe é indiferente ser rico ou pobre, o que deseja é voltar com experiência. O que segue é a seqüência de infortúnios decorrentes desse pedido, cujo responsável não é nenhuma divindade, mas, tão somente, o homem José Maria.
O desconhecido, fruto da inexperiência, é então revelado por Machado como o verdadeiro prazer da nossa humana condição. Mas para que o leitor perceba esta intenção, e ainda a estocada certeira numa concepção cristã de mundo, dissimuladas no palimpsesto machadiano, é preciso não se contentar com o que lhe oferece uma leitura apenas superficial do conto. que leva José Maria a