Literatura
Primeira parte – MENINO DO MATO
O homem seria metafisicamente grande se a criança fosse seu mestre. Sören Kierkegaard
II
Nosso conhecimento não era de estudar em livros.
Era de apalpar de ouvir e de outros sentidos.
Seria um saber primordial?
Nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor e não por sintaxe.
A gente queria o arpejo. O canto. O gorjeio das palavras.
Um dia tentamos até fazer um cruzamento de árvores com passarinhos para obter gorjeios em nossas palavras.
Não obtivemos.
Estamos esperando até hoje.
Mas bem ficamos sabendo que é também das percepções primárias que nascem arpejos e gorjeios.
Porém naquela altura a gente gostava mais das palavras desbocadas. Tipo assim: Eu queria pegar na bunda do vento.
O pai disse que o vento não tem bunda.
Pelo que ficamos frustrados.
Mas o pai apoiava a nossa maneira de desver o mundo
Que a nossa maneira de sair enfado.
A gente não gostava de explicar as imagens porque explicar afasta as falas da imaginação.
A gente gostava dos sentidos desarticulados como a
Conversa dos passarinhos no chão a comer pedaços de mosca. Certas visões não significavam nada mas eram passeios verbais. A gente sempre queria dar brazão às borboletas.
A gente gostava bem das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais.
Quando o menino disse que queria passar para as palavras suas peraltagens até os caracóis apoiaram.
A gente se encostava na tarde como se a tarde fosse um poste.
A gente gostava das palavras quando perturbavam os sentidos normais da fala.
Esses meninos faziam parte do arrebol como os passarinhos.
VI
Desde o começo do mundo água e chão se amam e se entram amorosamente e se fecundam.
Nascem peixes para habitar os rios.
E nascem pássaros para habitar as árvores.
As águas ainda ajudam na formação dos caracóis e das suas lesmas.
As águas são a epifania da criação.
Agora eu penso nas águas do Pantanal.
Penso nos rios