Literatura - os ratos
Autor: Dyonelio Machado
Editora: Planeta
Ano: 2005
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(p. 7)
Os bem vizinhos de Naziazeno Barbosa assistem ao "pega" com o leiteiro. Por detrás das cercas, mudos, com a mulher e um que outro filho espantado já de pé àquela hora, ouvem. Todos aqueles quintais conhecidos têm o mesmo silêncio. Noutras ocasiões, quando era apenas a "briga" com a mulher, esta, como um último desaforo de vítima, dizia-lhe:"Olha, que os vizinhos estão ouvindo". Depois, à hora da saída, eram aquelas caras curiosas às janelas, com os olhos fitos nele, enquanto ele cumprimentava.
O leiteiro diz-lhe aquelas coisas, despenca-se pela escadinha que vai do portão até à rua, toma as rédeas do burro e sai a galope, fustigando o animal, furioso, sem olhar para nada. Naziazeno ainda fica um instante ali sozinho. (A mulher havia entrado.) Um ou outro olhar de criança fuzila através das frestas das cercas. As sombras têm uma frescura que cheira a ervas úmidas. A luz é dourada e anda ainda por longe, na copa das árvores, no meio da estrada avermelhada.
(p. 8)
Naziazeno encaminha-se então para dentro de casa. Vai até o quarto. A mulher ouve-lhe os passos, o barulho de abrir e fechar um que outro móvel. Por fim, ele aparece no pequeno comedouro, o chapéu na mão. Senta-se à mesa, esperando. Ela lhe traz o alimento.
-- Ele não aceita mais desculpas...
Naziazeno não fala. A mulher havia-se sentado defronte dele, olhando-o enquanto ele toma o café.
-- Vai nos deixar ainda sem leite...
Ele engole o café, nervoso, com os dedos ossudos e cabeçudos quebrando o pão em pedaços miudinhos, sem olhar a mulher.
-- É o que tu pensas. Temores. ..Cortar um fornecimento não é coisa fácil.
-- Porque tu não viste então o jeito dele quando te declarou: "Lhe dou mais um dia!"
Naziazeno engole depressa o café que tem na boca:
-- Não foi bem assim...
--"Lhe dou mais um dia", tenho certeza. "Isto é um abuso!", e saiu atirando com o portão.
-- Não ouvi ele dizer "abuso"...
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