Quando alguém observa um quadro, pode participar dele? Essa é um pergunta que costumo me fazer quando contemplo a pintura Las Meninas (1656) do pintor espanhol Velázquez. O quadro descreve um ambiente parcialmente iluminado, em que membros da família real se misturam a serviçais que atendem a jovem infanta Margarida, no centro da composição. Ao lado esquerdo, podemos identificar o próprio Velázquez, com uma tela à sua frente, sugerindo que ele estaria no processo de pintar um quadro. À primeira instância, parece que o artista representado pinta o quadro que estamos observando, mas em uma análise mais detalhada nota-se que, no fundo do quadro, há um pequeno espelho que reflete a imagem do rei Filipe VI e a rainha Mariana. Com um pouco de exercício mental, o observador constata que a maioria das figuras representadas estão, em realidade, observando o casal de monarcas posando para o Velázquez. Essa inversão de ponto de vista em Las Meninas, uma das pinturas mais estudadas por historiadores da arte, não escapou à atenção de Michel Foucault que abre o seu célebre As palavras e as coisas (1966) com uma análise dessa obra. Ele chama a atenção à variedade de metáforas presentes no quadro: o olhar, a janela e o espelho. Las meninas é a representação de metáforas da representação clássica, para o filósofo francês, essa obra resume a era moderna, a idade da representação. A última metáfora, a do espelho, também descreve a dupla natureza de um rei, que é, ao mesmo tempo, homem e monarca. O reflexo é a imagem do rei e o homem é aquele que contempla o reflexo1. No quadro em questão, o espelho também possui a dupla função de descrever a realeza e o observador, o monarca e o homem. Porque, quem observa esse quadro percebe que ele próprio está na posição privilegiada onde provavelmente estaria o rei ou a rainha. Velásquez quebra a hierarquia entre observador e objeto, convidando o espectador a atravessar a janela pictórica e complementar a cena.