isto Bernardo Soares
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração. . Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda. . Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério de que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
Assunto: o fingimento e a criação artística; a racionalização dos sentimentos (sentir com a imaginação, não usando o coração). Divisão do poema: duas primeiras quintilhas - negação de que finge ou mente; justificação de que o que faz é a racionalização dos sentimentos na busca de algo mais belo mas inacessível; última quintilha - argumentação de que ao escrever se distancia da realidade, intelectualizando os sentimentos e elaborando uma nova realidade - a arte.
sentido da 1ª estrofe: reconhecimento do que dizem e negação de que finge ou mente "sinto com a imaginação/ Não uso o coração" - expressão da intelectualização do sentimento. comparação da 2ª estrofe: "Tudo o que sonho ou passo/ O que me falha ou finda" (primeiro termo da comparação) "(...) um terraço/Sobre outra coisa ainda" (segundo termo), ou seja, o mundo real ("terraço") é reflexo de ("Sobre outra coisa ainda") um mundo ideal ("essa coisa é que é linda" - conceito oculto ou platónico, mundo que fascina o sujeito poético).
Na 3ª estrofe, introduzida pela expressão "Por isso" de valor conclusivo/ explicativo, o sujeito poético recusa a poesia como expressão imediata das sensações. O sentir, no sentido convencional do termo, é remetido para o leitor.
O poema "Isto" apresenta-se como uma espécie de esclarecimento em relação à questão do fingimento poético enunciada em "Autopsicografia" - não há mentira no acto de criação poética; o fingimento poético resulta da intelectualização do "sentir" da racionalização. Aqui, o sujeito poético vai