Interpretativo
Sempre acreditei que, se cada um resolvesse os próprios problemas, o mundo seria melhor. Essa maneira de pensar e de agir se baseia numa forma civilizada de egoísmo. Cuido da minha vida sem incomodar ninguém - o que, na prática, quer dizer: jamais peça ajuda a um vizinho para que ele não se sinta no direito de fazer o mesmo. Por sorte, o homem que me resgatou de um afogamento iminente não partilhava dessa estreita visão de mundo. Nunca mais vou esquecer a tarde de horror de 1º de março deste ano, quando a chuva transformou o Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, numa piscina de águas barrentas. Ilhadas no túnel, eu e dezenas de pessoas lutávamos contra a correnteza e a violência dos carros que passavam soltos, arrastados pela enxurrada. Era um turbilhão de gritos, choro e pedidos de socorro. Sem forças para resistir àquele redemoinho imundo, afundei. Um homem mergulhou, me puxou pelos cabelos e me transportou, a nado, até a capota de um carro que boiava. Soube depois que se chamava José Ernesto Galahad. Ao ver que eu já não respirava e punha água pelo nariz, ele me fez três massagens cardíacas e retomei a consciência. Pediu, então, que eu me empenhasse em sobreviver e ficasse quieta para não cairmos do carro, que balançava muito. Pensei nas minhas duas filhas e no meu marido e aguentei firme até a chegada dos bombeiros. Eles nos resgataram e me levaram para o hospital. Dois dias depois reconheci nos jornais meu anjo da guarda. Considerado herói pelo desprendimento e pela coragem ao me salvar, tinha se tornado pai horas após o temporal. Anotei o nome da maternidade e fui até lá. Camila, hoje minha afilhada, mamava no peito de Roberta quando entrei no quarto e me apresentei meio sem jeito: "Sou a Sueli. Vim agradecer por seu marido existir e por ter salvado a minha vida sem se preocupar com o perigo". Choramos, nos abraçamos, conversamos muito. Nasceu, assim, nossa amizade. Graças ao gesto nobre e