HIST JURID
Boaventura de Sousa Santos**
INTRODUÇÃO
Este texto faz parte de um estudo sociológico sobre as estruturas jurídicas internas de uma favela do Rio de Janeiro, a que dou o nome fictício de Pasárgada 1. Este estudo tem por objetivo analisar em profundidade uma situação de pluralismo jurídico com vista à elaboração de uma teoria sobre as relações entre Estado e direito nas sociedades capitalistas. Existe uma situação de pluralismo jurídico sempre que no mesmo espaço geopolítico vigoram (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica.
Esta pluralidade normativa pode ter uma fundamentação econômica, rácica, profissional ou outra; pode corresponder a um período de ruptura social como, por exemplo, um período de transformação revolucionária; ou pode ainda resultar, como no caso de Pasárgada, da conformação específica do conflito de classes numa área determinada da reprodução social - neste caso, a habitação.
A favela é um espaço territorial, cuja relativa autonomia decorre, entre outros fatores, da ilegalidade coletiva da habitação à luz do direito oficial brasileiro. Esta ilegalidade coletiva condiciona de modo estrutural o relacionamento da comunidade enquanto tal com o aparelho jurídico-político do Estado brasileiro. No caso específico de
Pasárgada, pode detectar-se a vigência não-oficial e precária de um direito interno e informal, gerido, entre outros, pela associação de moradores, e aplicável à prevenção e resolução de conflitos no seio da comunidade decorrentes da luta pela habitação.
Este direito não-oficial – o direito de Pasárgada como lhe poderei chamar - vigora em paralelo (ou em conflito) com o direito oficial brasileiro e é desta duplicidade jurídica que se alimenta estruturalmente a ordem jurídica de Pasárgada. Entre os dois direitos estabelecesse uma relação de pluralismo jurídico extremamente complexa, que só uma análise muito minuciosa pode revelar. Muito em geral pode dizer-se que não se trata de