Grécia
CApíTUlo
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A FUNDAÇÃO GREGA
1. UMA FUNDAÇÃO RELATIVA
O Ocidente adora ver na Grécia Antiga uma fundação original da razão, para não dizer absoluta. A filosofia, como a própria etimologia da palavra revela, seria uma invenção grega. O direito, na forma de um debate sobre a fundação da pólisl e os avatares da democracia ateniense, seria também uma descoberta helênica. Portanto, basta um raciocínio mínimo, mas muito breve mesmo (uma vez que não tem mais que a aparência de um silogismo) para se deduzir com convicção que a Grécia
Antiga inventa de todas as formas a filosofia do direito. Mas como o diabo mora nos detalhes, segundo o famoso ditado anglo-saxão, não é preciso aprofundar-se desde já nos entrelaçados do real e da história,
l(N.T.) A transcrição das palavras gregas que aparecem nesta obra foi feita de acordo com as regras de acentuação do português, de modo a facilitar ao má ximo a pronúncia. Vale lembrar, especificamente, que a letra x sempre tem som de ks (como na palavra "paradoxo" em português).
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dado o risco de perder assim essa luminosa generalidade. Assim, do outro lado da Terra, a China não tem o que fazer com uma fundação grega da razão e do direito: ela própria sabe bem como fazê-Io.2 Atribuir à Grécia
Antiga a tarefa exorbitante de fundar a razão só pode proceder de uma evicção do resto do mundo. A GréciaAntiga foi certamente um mundo prodigioso; mas ela não foi "o" mundo. Conhece-se, certamente, a célebre afirmação de Heidegger em Qu'est-ce que la philosophie?3: ''A filosofia é grega em seu próprio ser - grego quer dizer, aqui, que a filosofia é, em seu ser original, de natureza tal que foi em primeiro lugar o mundo grego, e somente ele, que ela apreendeu, reclamando-o para se desdobrar". Hegel e
Husserl não disseram outra coisa antes de Heidegger.
Sabe-se até que ponto, para o bem e para o mal, pode-se sustentar a tese de uma especificidade radical da razão grega e,