Gozo e Dor
Gozo e dor
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
- Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.
Dói-me a alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.
É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida - ou a razão.
Almeida Garrett, in Folhas Caídas
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O poema aqui presente apresenta caraterísticas de uma encenação dramática que, aliás, é também visível noutros poemas do mesmo autor. O sujeito poético dirige-se a um “tu” que não lhe responde: parateatralidade.
Na primeira estrofe, o sujeito lírico questiona ao tu (vv.1-3), apresentando, na mesma, a resposta (vv.4-6); o poema desenvolve-se nas restantes estrofes numa espécie de justificação dessa mesma resposta;
Apesar da «imensa ternura» (v.2) e da plenitude de amor proporcionada pelo tu, o sujeito poético confessa que não está contente, alegando que a alma não resiste a tal plenitude (vv.5-6);
O sujeito poético confessa faltar-lhe a vida (v.4);
Assim, à plenitude facultada pelo tu, opõe-se o vazio sentido pelo eu resultante do excesso paradoxal anunciado no sexto verso («O excesso de gozo é dor») e que justifica o próprio título (Gozo e Dor);
À ventura anunciada no quinto verso («Sucumbe-me a alma à ventura»), opõe-se «a tristeza / vaga, inerte e sem motivo» que se instalou no coração (vv.7-9);
O que invade o coração do eu é um «gozar sem fim», expressão de um amor sensual que não lhe alimenta a vida, apesar da beleza do tu (vv.10-12) e da «imensa ternura» e do «amor» mencionados nos versos 2 e 3;
Aparentemente, o sujeito poético parece vítima do fascínio