Girard e Heidegger
Girard e Heidegger: Kénosis e fim da metafísica1
Gianni Vattimo
“Para completar Heidegger e torná-lo perfeitamente inteligível, não se deve lêlo em uma luz filosófica, mas à luz da etnologia, não de uma etnologia qualquer, obviamente, mas da etnologia por nós há pouco delineada, que descobre finalmente o mecanismo da vítima expiatória e reconhece no sagrado a matriz original do pensamento humano.” 2 Esta minha breve contribuição sobre René Girard poderia seguramente começar por esta citação de Delle cose nascoste. Meu intento é de mostrar como o trabalho de Girard me tem ajudado a "completar" Heidegger, a clarear o significado do seu pensamento e, eventualmente, a restabelecer uma comunicação entre (partes de) filosofia contemporânea 1
GIRARD, René. VATTIMO, Gianni. Cristianismo e relativismo: verdade ou fé frágil? Tradução de
Antônio Bicarato. Aparecida: Santuário, 2010. Ensaio publicado pela primeira vez em B. Dieckemann
(org.), Das Opfor - aktuelle Kontroversen. Religions-politischer Diskurs im Kontext der mimetischen Theorie,
Münster, Lit. Verlag, 1999. Tradução do original inglês por Elena Vallerini. P. 83-93.
2
R. Girard, Delle cose nascoste, cit., p. 333.
84
pós-metafísica e tradição judaico-cristã. Essa contribuição quer também ser um agradecimento a Girard por aquilo que penso ter aprendido dele, embora não exclua a possibilidade de equívocos ou de distorções das suas intenções originais. Girard, na notável passagem que conclui o segundo livro de Dalle cose nascoste, insiste sobre o fato de Heidegger, não obstante ter reconhecido uma profunda diferença entre o logos grego de Heráclito e o logos do evangelho de são João, permanecer completamente estranho à lógica vitimaria que domina a linha principal do pensamento moderno; em particular, Heidegger oferece a prova emblemática da "expulsão" sofrida pelas escrituras judaico-cristãs na modernidade. Na realidade, é espantoso que Heidegger, na recuperação da