gato preto
O modo intimista e, por vezes, desesperado do personagem não acende sequer uma fagulha de simpatia no leitor quando ele passa a revelar cada um dos seus crimes horrendos. Pelo contrário, a ansiedade para que ele pague pelo que fez nos domina a ponto de quase deixarmos passar despercebido o fato de que o destino do personagem fora revelado quase que despretensiosamente, já que além de isso ocorrer de forma sutil, logo após a revelação o autor passa a centrar-se no efeito de causas e consequências que acompanha os infortúnios sofridos por um gato nas mãos desse homem que se torna o seu algoz na mesma medida em que a loucura o mantém refém dentro de sua própria mente desajustada.
Esse foi o primeiro conto de Poe que li e foi nele que eu senti o poder da narrativa do autor. Recordo-me que o li em voz alta para minha mãe e minha tia, e ambas ficaram estarrecidas com o modo magistral que ele transformou uma relação comum – entre bicho de estimação e dono – em algo chocante. Carregado de cenas macabras, é provável que algumas pessoas mais sensíveis não se sintam à vontade entre as linhas deste texto, já que Poe não é suave nos momentos em que descreve certas cenas brutais de violência – tanto doméstica, quanto animal. Eu confesso que tive minha sensibilidade revelada na primeira vez que o li, porém com o passar do tempo fui percebendo coisas além da crueldade do protagonista e me envolvi com o ritmo de escrita do autor que com certeza é mágico. Acredito que é justamente por esse fascínio que ele exerce sobre o leitor que há mais tempo do que sou capaz de