Fuga do sofrimento psiquico
pacientes, a contradição em suas histórias não lhe causa estranheza. De fato, o estranho se apresenta ao analista, que se vê numa
relação imóvel, com poucas possibilidades de rompimento. Como
a categoria do estranho se refere a algo que não se sabe como
abordar
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, a primeira tendência do analista é qualificar essa situa-
ção como uma resistência à análise.
O estranho remete a um pequeno deslocamento em relação
à realidade. Em seu artigo O Estranho, Freud (1919/1996a) utiliza o
conto O Homem da Areia de Hoffman para explorar a vinculação
da noção de estranho com o que é conhecido e familiar aos processos psíquicos que o originam, ainda que assustadores:
O sentimento de algo estranho está ligado diretamente à
figura do Homem da Areia, isto é, à idéia de ter os olhos
roubados, e que o ponto de vista de Jentsch, de uma
incerteza intelectual, nada tem a ver com o efeito. A incerteza quanto a um objeto ser vivo ou inanimado, que
reconhecidamente se aplica à boneca Olímpia, é algo irrelevante em relação a esse outro exemplo, mais chocante, Revista Mal-estaR e subjetividade – FoRtaleza – vol. viii – Nº 4 – p. 1099-1119 – dez/2008
o ReFúgio psíquiCo CoMo o estRaNho ReCuRso da ResistêNCia 1103
de estranheza. É verdade que o escritor cria uma espécie
de incerteza em nós, a princípio, não nos deixando saber,
sem dúvida propositalmente, se nos está conduzindo pelo
mundo real ou por um mundo puramente fantástico, de
sua própria criação (Freud, 1919/1996a, p. 248).
Mas que estranha resistência é essa que sustenta a relação?
O que mais ela comunica para além da estagnação do processo
analítico? Será que não é pela resistência que encontraremos as
condições de descobrir o paciente, aparentemente “escondido”
em algum lugar?
Freud (1919/1996a) refere que o estranho não aponta para
algo novo, mas para algo que é familiar e há muito tempo