Foucault
"L’Occident et la vérité du sexe”, Le Monde, n. 9885, 5 novembre 1976, p. 24, Traduzido por Wanderson Flor do Nascimento. Um inglês, que não deixou o nome, escreveu, nos fins do séc. XIX uma imensa obra que foi impressa em uma dezena de exemplares, não foi nunca a venda e acabou ficando com alguns colecionadores ou em raras bibliotecas. Um de seus livros mais desconhecidos, chama-se My Secret Life. O autor cita meticulosamente uma vida que foi essencialmente consagrada ao prazer sexual. Noite após noite, dia após dia, ele conta até suas menores experiências, sem fausto, sem retórica, com o único cuidado de dizer o que aconteceu, como, segundo qual intensidade e com qual qualidade de sensação.
Com este único cuidado? Talvez. Porque desta tarefa de escrever o cotidiano de seu prazer ele fala como de um puro dever. Como se tratasse de uma surda obrigação, um pouco enigmática, à qual ele não saberia recusar submeter-se: é preciso tudo dizer. E, entretanto, há outra coisa que, para esse inglês teimoso, trata-se de, neste “jogo-trabalho” combinar justamente um com o outro o prazer, o discurso verdadeiro sobre o prazer e o prazer próprio enunciado nesta verdade; trata-se de utilizar este diário – ao qual ele relê em voz alta, que ele escreve à medida – no desenvolvimento de novas experiências sexuais, segundo as regras de certos prazeres estranhos onde “ler e escrever” teriam um papel específico.
Steven Marcusi[i] consagrou a este obscuro contemporâneo da Rainha Vitória algumas páginas notáveis. Eu não seria tentado, de minha parte, a ver nele um personagem da sombra, localizado de um “outro lado” em uma época de pudicidade. É antes uma revanche discreta e risonha sobre a pudicidade da época? Parece-me, sobretudo, situado em um ponto de convergência de três linhas de evolução bem pouco secretas em nossa sociedade. A mais recente é aquela que dirigiria a medicina e a psiquiatria da época para um interesse quase entomológico pelas