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Servidão e acrasia segundo Espinosa1
A servidão é o tema da parte IV da Ética de Espinosa, e marca o início das reflexões propriamente morais contidas no livro, depois de as três primeiras partes terem tratado da ontologia, da natureza da mente humana, do conhecimento e das emoções. O título da parte IV — “Da servidão humana, ou da força dos afetos” — pode induzir ao erro aqueles que ainda não leram o texto, pois, ao contrário do que poderia parecer, Espinosa não se limita a tratar nesse momento da força dos afetos contra a razão, mas também de sua força a favor do que prescreve a razão. Como ele avisa logo no início do Prefácio, o objetivo dessa parte da Ética é duplo, a saber: explicar a causa da servidão e discriminar o que há de bom e de mau nos afetos. Desses dois objetivos, o primeiro é o que ocupa, proporcionalmente, o menor espaço: enquanto ele é estabelecido nas primeiras 17 proposições, o segundo é desenvolvido ao longo das 56 proposições restantes. No escólio da proposição 18, que é uma transição para a realização do segundo objetivo, Espinosa nos adverte:
Expliquei brevemente com isso [i.e., com as 17 primeiras proposições] as causas da impotência e da inconstância do homem, que fazem com que os homens não observem os preceitos da razão. Resta-me agora mostrar o que a razão nos prescreve, e quais são os afetos que convêm com as regras da razão humana e quais são, ao invés disso, os que lhes são contrários.
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Uma primeira versão deste texto foi apresentada no Colóquio de Filosofia da PUC-Rio em 2003.
Agradeço às pessoas que participaram desse encontro por seus comentários. A redação deste texto foi muito beneficiada por minha participação no Seminário de Pós Graduação do Prof.
Marco Zingano, na USP, no primeiro semestre de 2004, que tratou do tema da acrasia em
Aristóteles. Finalmente, gostaria de agradecer também a meus alunos do curso de Filosofia
Moderna do primeiro período de aulas de 2004 no