Filosofia
VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRAMORAL1
Friedrich Nietzsche Apresentação por Noéli Correia de Melo Sobrinho Verdade e Mentira no Sentido Extramoral [Über Wahrheit und Lüge im aussermoralischem Sinn] é um escrito póstumo do jovem Nietzsche do ano de 1873, um texto que ele ditou a seu amigo Carl von Gersdorff, num momento em que começava a distanciar-se intelectualmente de Wagner e também de Schopenhauer2 . Antes, ele havia escrito um prólogo intitulado Sobre o pathos da verdade, em que já anunciava uma ruptura com sua orientação anterior; agora, o lado cético do seu pensamento, certamente herdado principalmente do Kant da Crítica da Razão Pura, era mostrado mais às claras3 . De qualquer maneira, o que estava em questão era o tema da verdade, um problema que Nietzsche de fato jamais abandonará 4 , envolvendo ao mesmo tempo a ciência e a arte numa disputa em que ele chama atenção para o caráter desesperador da verdade da ciência e para a natureza redentora da arte: a verdade aniquila a vida e a tarefa da arte é salvá-la. Nietzsche é então e já o filósofo trágico que se opõe à idolatria da verdade e ao otimismo vazio dos modernos. Por outro lado, Verdade e Mentira é um texto em que Nietzsche exercita já e prenuncia sua análise genealógica dos anos de maturidade, perspectiva que toma o pathos como ponto de partida para desvendar o que é o conhecimento que se produz a respeito do mundo. Trata-se de um texto, por assim dizer, inaugural, a partir do qual Nietzsche vai investir contra a filosofia moderna e depois desenvolver temas ligados à teoria do conhecimento que estão já aí presentes. O pathos da verdade seria, na sua visão, um estado de ânimo produzido por uma situação de desvalimento característica da condição humana: o homem como animal efêmero e iludido. Foi este pathos que alimentou
Comum - Rio de Janeiro - v.6 - nº 17 - p. 05 a 23 - jul./dez. 2001
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especialmente a vaidade e a soberbia do filósofo, foi este pathos que o