“Com o capitalismo de consumo, o hedonismo se impôs como umvalor supremo e as satisfações mercantis, como o caminho privilegiado dafelicidade. Enquanto a cultura da vida cotidiana se domina por esse sistema dereferência, a menos que se enfrente um cataclismo ecológico ou econômico, asociedade de hiperconsumo prosseguirá irresistivelmente em sua trajetória. Mas,se novas maneiras de avaliar os gozos materiais e os prazeres imediatos vieremà luz, se uma outra maneira de pensar a educação se impuser, a sociedade dehiperconsumo dará lugar a outro tipo de cultura. A mutação decorrente seráproduzida pela invenção de novos objetivos e sentidos, de novas perspectivas eprioridades na existência. Quando a felicidade for menos identificada àsatisfação do maior número de necessidades e à renovação sem limite dos objetose doa fazeres, o ciclo do hiperconsumo estará encerrado. Essa mudançasócio-histórica não implica nem renúncia ao bem-estar material, nemdesaparecimento da organização mercantil dos modos de vida;ela supõe um novopluralismo dos valores, uma nova apreciação da vida devorada pela ordem doconsumo volúvel. Muitas são as razões que levam a pensar que a cultura dafelicidade mercantil não pode ser considerada um modelo de vida boa. Sãosuficientes, no entanto, para invalidar radicalmente seu princípio?Porque ohomem não é Uno, a filosofia tem o dever de fazer justiça a normas ouprincípios de vida antitéticos. Temos de reconhecer a legitimidade da frivolidadehedonística ao mesmo tempo que a exigência da construção de si pelo pensamentoe pelo agir. A filosofia dos antigos procurava formar um homem sábio quepermanecesse idêntico a si próprio, querendo sempre a mesma coisa na coerênciaconsigo e na rejeição do supérfluo. Isso é de fato possível, de fato desejável?Não o creio. Se, como Pascal, o homem é um ser feito de 'contrariedades', afilosofia da felicidade tem de excluir nem a superficialidade nem a'profundidade', nem a distração fútil nem a difícil constituição de si