Fichamento judiciário: um poder fora do tempo
No Brasil, grande parte da população não tem garantidos os direitos mais elementares e depende do setor público para obter o mínimo exigido pela dignidade humana. Em lugar disso e para que se façam as mudanças realmente necessárias, seria muito mais importante para os interesses do povo brasileiro discutir as deficiências da organização pública em face das características, necessidades e possibilidades da realidade social brasileira, procurando definir e realizar as reformas mais urgentes. Grande parte das deficiências de funcionamento do setor público não decorre de falhas de organização ou de falta de meios, mas se deve a vícios de comportamento, um dos quais é uma atitude contraditória em relação às leis. É tradicional e generalizada no Brasil a convicção de que as leis não precisam ser obedecidas sempre nem devem ser aplicadas com muito rigor, o que contrasta com algumas atitudes de exagerado legalismo. Este praticado por muitos juizes, consiste no apego quase fanático a pormenores das formalidades legais, mesmo quando isso é evidentemente inoportuno, injusto ou acarreta graves conflitos sociais. Mas o que prevalece amplamente, inclusive entre autoridades públicas, é o pouco apreço à legalidade, o que se verifica também em certas atitudes dos tribunais superiores, que freqüentemente demonstram excessiva condescendência com inconstitucionalidades e ilegalidades praticadas por chefes do Executivo. Os reflexos dessa atitude de menosprezo em relação às leis é a não-aplicação dos instrumentos legais, já existentes, para corrigir e punir erros e omissões de servidores públicos, faltas que muitas vezes são efetivadas por solicitação ou com a cumplicidade de particulares. Por tais motivos, é indispensável ter em conta que, quanto à legislação, quase todas as mudanças realmente necessárias poderão ser efetuadas sem alterar a Constituição, bastando modificar leis ordinárias e regulamentos. Mais do que isso,