fernando pessoa
Fernando Pessoa
Melancolia e destino
Fernando Pessoa buscou avidamente a felicidade, como quem nasceu para se feliz. Buscou sem encontrar, porque cedo o torturou a fome inextinguível de conhecer; a inteligência discursiva só lhe deu a certeza de que
“tudo é oculto”; as intuições intermitentes de uma realidade suprassensível eram escuras e ambíguas, não as podia sancionar a razão; e o demónio da análise amorteceu nele ambições e sentimentos vulgares até quase ao aniquilamento. (…)
Ninguém mais do que ele experimentou a sensação pungente de estar condenado à solidão, e condenado não apenas pela superioridade do seu espírito (não encontrava almas à sua volta, e daí a incompatibilidade profunda com as criaturas que o rodeiam» de que se queixa a Côrtes-Rodrigues) mas ainda porque só pelos sentimentos altruístas vencemos as barreiras individuais, e Pessoa, minado pela ação de uma inteligência hipertrofiada, quase não era capaz desses sentimentos. «Meu Deus, e eu que não tenho a caridade!...» (Campos,
p. 69). Por essa causa vive fechado no egoísmo, «só, só como ninguém ainda esteve» (Campos, p. 18). A sua desgraça, bem maior que a de um pobre de pedir, é estar fora das «normas reais ou sentimentais da vida», ser um «isolado na alma» (p. 126) que, subjugado pelas potências da inteligência e da imaginação, se crê «mais irmão de uma árvore que de um operário» (p. 226). «Quanto à sensibilidade, quando digo que sempre gostei de ser amado, e nunca de amar, tenho dito tudo» — eis um desabafo das Páginas íntimas (p. 28). «Triste poeta do que não existe», como lhe chamou em verso Gil Vaz (Presença n.° 48), «até amaria o lar, desde que o não tivesse» (Campos, p. 287). O temperamento e talvez as circunstâncias biográficas (órfão de pai aos cinco anos, aos sete a mãe deu-lhe um padrasto) fizeram de Pessoa um homem segregado, antissentimental, antihumanitário, separado do mundo por «uma névoa» (Páginas Intimas, p. 27), entregue obsidiantemente ao