Eu e a Amazônia
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
PROGRAMA DE POS‐GRADUAÇÃO EM DIREITO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Eu e a Amazônia
“Quem cria filho dos outros é japiim.” Eu tinha 16 anos quando ouvi esse dito popular pela primeira vez. A informação chegou através da argumentação do meu padrasto. Ele, que nunca havia conversado comigo, desde que “assumiu minha mãe e me pegou para criar”, tentava me provar que havia feito um grande sacrifício por mim e que eu lhe deveria ser grata por tal feito. E o ditado realmente se encaixou na minha realidade: fui ovo rejeitado e colocado em ninho de japiim, mas não fui cuidada como filha. Meu padrasto fracassara. Não me convenceu.
Nasci em Moju – município paraense que com sotaque francês se transforma em
“luxo”, em consequência do “u” afrancesado. Tenho esse olhar brincalhão a respeito do que é supervalorizado aqui em nossas terras. A grama do outro. Ao contrário da maioria, sempre cultuei o que é nosso. Adoro as lendas. Sempre viajei na minha imaginação cada vez que lia um velho livro de estórias e encantos da Amazônia. E foi através desse encanto que sobrevivi às violências sofridas no seio familiar e em minha comunidade. Minha história, apesar das probabilidades de um final triste, surpreendeu por uma audácia do irreal. Nasci encantada com a vida. Isso me salvou. Os rios por onde nadava. As árvores em que subia. As frutas que eu colhia: camapus, ameixas, manga verde com sal, uxi, taperebá, muruci, buriti... As tardes tão enfadonhas sem energia elétrica. Horas de estudo com a lamparina (inesquecível!). Tudo isso faz parte de mim, tão profundamente, que nesse refúgio interior, consegui ser resgatada.
Arranhões e feridas o tempo se encarrega de sanar. Toda a dor de um adulto, uma vez criança violentada, pode ser revertida positivamente em prol de outras crianças
– e em benefício próprio -, na tentativa de que seus posteriores