Estudiosa
A poesia de Manuel Bandeira - eliminados os resíduos simbolistas e parnasianos de Cinza das horas e Carnaval - enquadrando-se na vertente mais clássica do espírito modernista, aquela em que se processa uma fusão entre a confissão pessoal e a vida cotidiana. Em Bandeira predomina com algumas insistência o lirismo do EU, mas o cotidiano jamais desaparece dos textos, numa síntese feliz entre subjetividade e objetividade. Isto se dá porque uma relação dialética estabelece-se entre ambos.
Poesia = cotidiano mais o eu-lírico.
Nada em sua poesia é mera visão interior. Tampouco lhe apraz a simples fotografia realista do mundo. Mesmo assim, praticou eventualmente uma lírica sem a presença da interioridade. É o caso do Poema tirado de uma notícia de jornal:
João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Ou, ainda, deste O bicho, infiltrado por grande indignação moral:
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
O poeta debruça-se sobre o mundo concreto, porém na sua fala sobre o real pode-se pressentir o traço biográfico, como no já antológico Irene:
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor
Imagino Irene entrando no céu:
- Com licença, meu branco.
E São Pedro, bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.