Estudante
Lená Medeiros de Menezes
Bastidores
Um outro olhar sobre a imigração no Rio de Janeiro
guês, analfabeto, solteiro, padeiro por profissão, mas sem residência fixa, foi expulso do Brasil como mendigo incorrigível, regressando à terra natal, com 64 anos, apenas com a roupa do corpo. Muito mais brasileiro que português, foi obrigado a voltar à Europa, de onde saíra com a idade de 26 anos, para enterrar, em outro solo que não o brasileiro, a falência de seus sonhos, expectativas e esperanças.
1
A
pós residir 38 anos na cidade do Rio de Janeiro, Manuel Real, portu-
bre a defesa da ordem e da segurança nacional, a prática da expulsão representou uma das faces da excludência implantada pelo regime republicano: aquela que atingia os estrangeiros pobres, transfor mados em alvos das políticas de higiene socia l então desenvolvidas, numa cidade que conhecia um tempo de mudanças visíveis no ser, no fazer, no sentir e no estar. Tempo marcado por luzes e sombras, por fugas e buscas, por distanciamentos profundos entre o discurso legal, que contemplava postulados liberais, e as práticas políticas autoritárias do cotidiano, enraizadas numa mentalidade escravista e latifundiária. No processo de imigração em massa que
História de vida como a de Manuel Real não foi um caso isolado na capital brasileira, ao longo de seu tão aclamado processo civilizatório. Além do discurso so-
Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, nº 2, pp. 85-98, jul/dez 1997 - pág.71
A
C
E
marcou a virada do século, a proclamação e a consolidação da república brasileira corresponderam à terceira onda dos movimentos migratórios que do Velho Mundo atingiram a América. Esta onda, diferente das anteriores, caracterizou-se pelo êxodo em massa das áreas agrícolas da Europa mediterrânea, que então conhecia a acelerada desestruturação da comunidade camponesa tradicional. Na cidade do Rio de Janeiro, ela