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Rio – “Os sete sapatos sujos” é um artigo do escritor moçambicano Mia Couto que compartilha as suas impressões acerca do futuro da África e do mundo, destacando que mais do que gente preparada para dar respostas, necessitamos de capacidade para fazer perguntas. À porta da modernidade, o autor nascido na Beira e vencedor do Prêmio Camões deste ano, afirma que é preciso tirar os sete sapatos sujos.
Vale a pena reservar alguns minutos para a leitura! (Extraído do Vertical N° 781, 782 e 783 de Março 2005) - Oração de Sapiência na abertura do ano letivo no ISCTEM
“Os sete sapatos sujos”
Começo pela confissão de um sentimento conflituoso: é um prazer e uma honra ter recebido este convite e estar aqui convosco. Mas, ao mesmo tempo, não sei lidar com este nome pomposo: “oração de sapiência”. De propósito, escolhi um tema sobre o qual tenho apenas algumas, mal contidas, ignorâncias. Todos os dias somos confrontados com o apelo exaltante de combater a pobreza. E todos nós, de modo generoso e patriótico, queremos participar nessa batalha. Existem, no entanto, várias formas de pobreza. E há, entre todas, uma que escapa às estatísticas e aos indicadores numéricos: é a penúria da nossa reflexão sobre nós mesmos. Falo da dificuldade de nós pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho.
Falarei aqui na minha qualidade de escritor tendo escolhido um terreno que é a nossa interioridade, um território em que somos todos amadores. Neste domínio ninguém tem licenciatura, nem pode ter a ousadia de proferir orações de “sapiência”. O único segredo, a única sabedoria é sermos verdadeiros, não termos medo de partilhar publicamente as nossas fragilidades. É isso que venho fazer, partilhar convosco algumas das minhas dúvidas, das minhas solitárias cogitações.
Começo por um fait-divers. Há agora um anúncio nas nossas estações de rádio