Entre Memórias Alheias e Palimpsestos Urbanos
epígrafe
Não pude conhecer o belo passado de nossa cidade. Hoje peleja-se em dizer que Fortaleza é bela, mas em verdade ela já foi bela, décadas atrás, uma belle epoque. Essa época pertenceu aos meus bisavós e avós, que por morarem no interior e lutarem contra a seca e a miséria para sobreviver, talvez nem a tenham achado assim tão bela. De modo que o meu conhecimento a respeito deste passado só pôde ser obtido através de textos descritivos e fotos antigas.
Essas fotos parecem transmitir um profundo sentimento de melancolia. São representações pictóricas que carregam em si uma sinestesia inerente. Porém, não é exatamente essa mistura de mofo e poeira, os tons amarelo-tempo e a textura frágil que despertam sensações. Nem muito menos é no momento em que olho para elas que me sinto melancólico. É somente caminhando pelo presente, que a lembrança do que vi nos livros me toma de súbito, e triste eu constato a incompreensão e a ignorância humanas.
Ao passear pelo Centro, o barulho ensurdece. Kits de sobrevivência doméstica disputam acirradamente com aparelhos eletrônicos de procedência duvidosa, promoções imperdíveis e cavalos de potência pela hegemonia do seu sistema auditivo. Mas dentre todos estes, é um silêncio que mais me incomoda. É o silêncio daqueles que jazem impávidos sob o manto asfáltico da modernidade, daqueles que, em sua singela beleza, são sufocados por uma publicidade ruim e barata.
A busca pela memória material do passado elegante que as fotos nos mostram é como uma atividade arqueológica. Pior. É como uma atividade de garimpo. É preciso catar os poucos remanescentes como se fossem pequenas preciosidades que se escondem num mar de cascalho. É preciso ficar atento, procurar com cuidado, forçar a vista e por vezes abstrair. Há trechos tão devastados, que a única coisa que resta é torcer para que por trás de alguns daqueles mondrongos de metal e plástico, onde a vista não alcança,