Ensaio sobre a lucidez e cegueira
No novo livro de Saramago, os personagens não têm nomes: são ministros e presidente aparvalhados, um médico, a mulher do médico – simulacros de gente. E, sim, um comissário de polícia que resolve desafiar a ordem à qual deve obediência profissional e premedita uma reação ao poder. Uma atitude que faz lembrar a do jornalista de Afirma Pereira, de António Tabucchi, em seu desafio ao regime salazarista.
Mas Pereira é uma testemunha exacta e, com obstinação e minúcia conta, como se fizesse um depoimento, um período trágico da sua existência e da história da Europa. Tendo por pano de fundo o Salazarismo Português, o Fascismo Italiano e a Guerra Civil Espanhola, Afirma Pereira é a história atormentada da tomada de consciência de um velho jornalista solitário e infeliz.
Se fosse nas chamadas democracias populares que pareciam ser o ideal político do autor até há pouco tempo – como a ditadura de seu velho amigo Fidel Castro a quem seguiu fielmente até o último fuzilamento público na ilha –, com certeza, esse recurso não estaria à disposição da população.
Naqueles países que eram governados por falsos representantes da classe trabalhadora, a utopia de um mundo perfeito actuava como instrumento ao serviço da tirania. E, portanto, o voto em branco não perturbaria o sossego do governo. Até porque não haveria voto em branco e muito menos voto. Naqueles países, ao contrário da Itália de Sílvio Berlusconi, da Austrália, da Inglaterra e dos EUA de Rupert Murdoch e da França dos grupos Lagardère e Dassault, que monopolizam os meios da comunicação social, todos os monopólios haviam sido substituídos por um único monopólio, o do Estado, que era também o proprietário das vidas humanas. Parece que, a Saramago, faltou dizer