Ensaio sobre a cegueira
Nesse sentido, a narrativa em questão promove um jogo entre desumanização e humanização ao trazer passagens, em que se desce aos mais baixos extremos da barbárie, mas, sempre atentando para momentos de solidariedade e de compaixão, ou seja, para momentos em que o reparar se torna fundamental. Tendo em vista esse jogo, nesse trabalho, pretendo analisar como se configura e o que representa a cegueira do Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago, assim como destacar alguns momentos e personagens da narrativa que atentam para a necessidade de humanização frente ao processo de cegueira e de caos vivenciados pelos personagens do Ensaio.
Como será esclarecido adiante, ao utilizar a cegueira como uma alegoria, o autor configura o estado de crise por que passam as sociedades capitalistas do século XX, nas quais, freqüentemente, os limites entre civilização e barbárie são rompidos.
Tomando por base a obra O Mal-Estar na Civilização, de Freud entende-se que a evolução das sociedades humanas não é nada mais do que a representação do conflito entre os instintos de vida e de destruição presentes no homem. O fato de que se combinem indivíduos isolados, depois famílias, raças e povos numa grande unidade representa, segundo Freud (2002), um grande esforço da humanidade, pois, em nome da conjunção, da civilização, ela tem de reprimir seu instinto latente de destruição.