Enganando-se e sendo enganado
A propensão ao engano responde a dois estados característicos da psicologia humana: a ignorância da malícia alheia e a ambição. No primeiro caso, o indivíduo tende ingenuamente a confiar no que lhe é dito ou proposto, sem se deter a examiná-lo e sem se prevenir contra possíveis intenções, ocultas no pensamento do semelhante. No segundo caso, o entendimento é turbado momentaneamente pela ambição, pois se impõe um pensamento cobiçoso, facilmente percebido por quem tenta fazê-lo vítima de suas maquinações. Este pensamento, que entorpece a função de raciocinar, que dificulta o assessoramento da consciência e ainda chega a silenciar a sensibilidade, mantém o ser enfeitiçado e à mercê do embusteiro, de quem só conseguirá se livrar quando este lhe tenha subtraído quanto pôde, isto é, quando dessa entrega incondicional surja o desfalque mental, moral ou econômico do incauto. Não se entregar à ilusão e a confiar em si mesmo antes de confiar nos outros O homem, de per si muito afeito ao ócio mental, sente-se, por outra parte, atraído por tudo o que é fácil, pelo que não lhe custa esforço e lhe proporciona, em troca, rápidas conquistas em qualquer ordem da vida. Daí sua propensão a ser enganado. A realidade se encarrega depois de adverti-lo de seu erro; mas é lamentável que deva suportar inexoravelmente as consequências, em geral difíceis de aguentar, que todo engano traz consigo. A propensão ao engano, na qual representa um papel importante a faculdade de imaginar, isto é, a imaginação, deixa a mente desguarnecida. Denuncia um adormecimento temporário da inteligência, incapacitando-a para exercer controle sobre os pensamentos sedutores que atentam contra o ser e sobre os atos a que ele se vê compelido, em razão de sua predisposição a deixar-se enganar pelo próximo. Para neutralizar esta funesta tendência, aconselhamos a não se entregar à ilusão e a confiar em si mesmo antes de confiar nos outros.