Egito antigo
*Margaret Marchiori Bakos
Datado de 18641[1] há um poema escrito por Machado de Assis com temática inusitada no Brasil: uma declaração de amor à Cleópatra, em que o narrador se coloca na condição de escravo da rainha egípcia. Como entender essa criação feita por um dos maiores escritores brasileiros? Alfredo Bosi, no livro O ser e o tempo da poesia, afirma que, para sentir e pensar esse gênero literário, é preciso sustentar ”que a interação de sons, imagens, tom expressivo e perspectiva é um processo simbólico, delicado, flexível, polifônico, ora tradicional, ora inovador, numa palavra, não mecânico”. (BOSI,
1977:12)
Na esteira de Bosi, buscamos um caminho de resposta à questão antes formulada. Pressupusemos, em primeiro lugar, que contextualizar um poema é mais que datá-lo: “é inserir as suas imagens e pensamentos em uma trama já em si mesma multidimensional.”( BOSI,1977:13)
O poema, denominado Cleópatra: canto de um escravo, compõe-se de 12 estrofes, cada uma com oito heptassílabos2[2]. Neles, Machado narra o caso de um personagem anônimo, possivelmente o próprio narrador, que se declara escravo de uma paixão por Cleópatra, então apresentada da forma que segue:
Era rainha e formosa,
Sobre cem povos reinava,
E tinha uma turba escrava
Dos mais poderosos reis.
Podemos dizer, apropriando-nos de elementos apontados pela análise poética de
Bosi, que o olho do poeta narrador vê a “beleza completa e rara” de Cleópatra. Em sua
* Dra. em História (USP) Pós-doutorado em Egiptologia (University College London)
1[1]
Agradecemos Gisele Becker a poesia, encontrada no decorrer de sua pesquisa para Dissertação de
Mestrado no Programa de Pós-graduação em História.,na Revista Literária, de Porto Alegre, em 21 de agosto de 1881, ano 1, nº 29, p. 228/9.
2[2]
CLEMENTE, E. Egito na poesia brasileira. In.;BAKOS, M. (org.) Egiptomania. O Egito no Brasil,
São Paulo: Ed.Paris (Contexto),2004