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Lourenço Rosário Presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa Reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário
Começo esta minha apresentação por contar um episódio familiar daqueles que acontecem todos os dias e que nos esquecemos de imediato, porque se trata de dia- a dia- da vida em família. O mesmo acontece com os episódios e as conversas no círculo de amigos. Quem consegue reconstituir o rol de
histórias, anedotas e outro tipo de conversa que mantemos durante um churrasco, uma refeição ou qualquer convívio? São factos que não estão destinados a ser memorizados. São simplesmente rotinas. Mas este episódio ficou em mim porque me chamou especial atenção sobre as transformações que estão a operar-se na forma de aquisição de saberes: estávamos em serão familiar e eu estava a dissertar sobre o mito de Hércules. Zeus, para conseguir a humana Alcmena, esposa de Anfitrião, disfarçou-se neste e apareceu-lhe quando o
próprio estava ausente. Zeus protagonizou uma série de peripécias para dormir com a humana. Uma sobrinha minha de sete anos que ouvia esta história mais atenta que os restantes, entra na conversa e conclui o mito, falando da fúria de Hera, esposa de Zeus, que para se vingar do adultério de Zeus aplicou os famosos sete castigos a Hércules, fruto desse amor clandestino. Fiquei boquiaberto porque na minha geração, o acesso aos mitos gregos era um estado de erudição universitária, sobretudo para quem seguia os cursos de Letras. Falar com alguém polvilhando intertextualidades míticas como suporte da conversa era considerado como acto de alta cultura. Tentei provocar a criança evocando outros mitos. Mostrou que conhecia a história de uns tantos, tais como o de Orpheu, o suplício de Tântalo, o castigo de Síssifo e a história de Penélope, mulher de Ulisses. Falhou alguns, mas convenceu-me na mesma. Averiguei qual
Rosário, Lourenço. O Livro na Era Digital. Palestra proferida no Tribunal da