Dom Quixote E Sancho Pan A Opostos Complementares
O primeiro texto bíblico, o Gênesis, relata que o homem começa sendo um. Deus corta o homem em dois. A cisão resulta num enfraquecimento da singularidade e a vida passa a ser uma constante busca pela outra metade perdida. Esta concepção torna-se presente nas religiões tradicionais, com a separação entre alma e corpo. Diante disso, o homem possui uma natureza dupla, estruturada através da união de dois elementos diferentes.
Esta dualidade, antítese, cisão, remete, em termos do imaginário, ao fenômeno especular inscrito no duplo: espelhos, duplos, e reflexos habitam as lendas, as histórias de magia e as tradições populares, articulando um profundo sentimento de insegurança individual, social ou comunitária. Esta temática faz parte dos temas literários com profundas raízes mitológicas. No mundo em que a diferença é articulada através do sentido e do valor, a noção do duplo, da réplica, perturba e inquieta a identidade porque testemunha a insuficiência do ser.
A questão da dualidade do sujeito é uma recorrência na literatura universal, constituindo a temática do duplo, cujas origens remetem a um passado remoto de crenças e histórias populares. Assim, este conceito está muito presente em Dom Quixote de La Mancha (1605) 1ª parte e 2ª parte (1615), de Miguel de Cervantes. A obra emerge do Século de Ouro da literatura espanhola proporcionando uma mudança significativa na concepção do duplo, tratando do questionamento da identidade única do sujeito.
Dom Quixote de La Mancha apresenta as alterações do ser humano cindidas em dois personagens considerados duplos complementares. Apesar disso, simultaneamente à amizade entre o Cavaleiro da Triste Figura e seu fiel escudeiro, Cervantes atualiza a problemática do duplo desdobrando-o na relação do próprio eu consigo mesmo, uma vez que o engenhoso fidalgo Alonso Quijano morre simbolicamente para renascer sob a forma do engenhoso cavaleiro Dom Quixote.
Ao longo dos