Direito
!56!-60!4440-70.
INTERVENÇÃO
O pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira*
Luiz Felipe de Alencastro
[*] Parecer sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental — ADPF/186, apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Texto apresentado pelo autor, como representante da Fundação Palmares, na Audiência Pública do STF sobre as cotas universitárias para negros. Agradeço a ajuda de Fúlvia Rosemberg (Fundação Carlos Chagas), Ciro Biderman (FGV), Paulo Sérgio Pinheiro (USP), Mário Theodoro (Ipea), Marcelo Tragtemberg (UFSC), José Jorge de Carvalho(UNB) e da procuradora federal Dora Bertúlio (Fundação Palmares).
[1] Ver o Database da Universidade de Harvard em .
No presente ano de 2010, os brasileiros afro-descendentes, os cidadãos que se auto-definem como pretos e pardos no recenseamento nacional, passam a formar a maioria da população do país. A partir de agora — na conceituação consolidada em décadas de pesquisas e de análises metodológicas do IBGE —, mais da metade dos brasileiros são negros. Esta mudança vai muito além da demografia. Ela traz ensinamentos sobre o nosso passado, sobre quem somos e de onde viemos, e traz também desafios para o nosso futuro. Minha fala tentará juntar os dois aspectos do problema, partindo de um resumo histórico para chegar à atualidade e ao julgamento que nos ocupa. Os ensinamentos sobre nosso passado, referem-se à densa presença da população negra na formação do povo brasileiro. Todos nós sabemos que esta presença originou-se e desenvolveu-se na violência. Contudo, a extensão e o impacto do escravismo não têm sido suficientemente sublinhados. A petição inicial de ADPF apresentada pelo DEM a esta Corte fala genericamente sobre “o racismo e a opção pela escravidão negra” (pp. 37-40), sem considerar a especificidade do escravismo em nosso país. Na realidade, nenhum país americano praticou a escravidão em tão larga escala como o Brasil. Do total de cerca de 11