diagramação
Amizade entre cronistas é um perigo: todo papo esbarra em crônica, já que toda crônica é uma espécie de papo. Foi numa conversa com o Antônio Prata, meu ex-amigo-platônico -"ex" não por não ser mais amigo mas por não ser mais platônico- que a bola começou a quicar. "Isso dá uma crônica", ele disse. Mas nenhum dos dois escreveu, por escrúpulos de estar roubando a ideia do outro. Eu, que tenho menos escrúpulos e menos ideias, resolvi escrever.
Palavras, percebemos, são pessoas. Algumas são sozinhas: Abracadabra. Eureca. Bingo. Outras são promíscuas (embora prefiram a palavra "gregária"): estão sempre cercadas de muitas outras: Que. De. Por.
Algumas palavras são casadas. A palavra caudalosa, por exemplo, tem união estável com a palavra rio -você dificilmente verá caudaloso andando por aí acompanhada de outra pessoa. O mesmo vale para frondosa, que está sempre com a árvore. Perdidamente, coitado, é um advérbio que só adverbia o adjetivo apaixonado. Nada é ledo a não ser o engano, assim como nada é crasso a não ser o erro. Ensejo é uma palavra que só serve para ser aproveitada. Algumas palavras estão numa situação pior, como calculista, que vive em constante ménage, sempre acompanhada de assassino, frio e.
Algumas palavras dependem de outras, embora não sejam grudadas por um hífen -quando têm hífen elas não são casadas, são siamesas. Casamento acontece quando se está junto por algum mistério. Alguns dirão que é amor, outros dirão que é afinidade, carência, preguiça e outros sentimentos menos nobres (a palavra engano, por exemplo, só está com ledo por pena -sabe que ledo, essa palavra moribunda, não iria encontrar mais nada a essa altura do campeonato).
Esse é o problema do casamento entre as palavras, que por acaso é o mesmo do casamento entre pessoas. Tem sempre uma palavra que ama mais. A palavra árvore anda com várias palavras além de frondosa. O casamento é aberto, mas para um lado só. A palavra rio sai com várias outras palavras na calada da