Deus Lhe Pague

(Exterior. Movimento de rua.)
Mendigo: (suplicante) – Uma esmolinha para quem não come há três dias... (barulho de moedas sobre outras) Deus lhe pague! Uma esmola para... (risonho) Desculpe, não tinha reparado que o senho é colega...
Barata: (cansado) – Venho experimentar a porta da Igreja porque ainda não fiz nada hoje. (senta-se. Pausa) Tenho cigarros, aceita?
Mendigo: – São bons?
Barata: – Cigarros vagabundos!
Mendigo: – Não fumo cigarro vagabundo. Quer um charuto? Custou uma fortuna, tenho muitos!
Barata: – Aceito porque nunca levei jeito para roubar...
Mendigo: – Nem eu.
Barata: – Não são roubados?
Mendigo: – Ainda não sou ladrão.
Barata: – Desculpe, é que...
Mendigo: – Não precisa pedir desculpa. Não roubo, mas poderia.
Barata: – Acha isso?
Mendigo: – Sim, mas prefiro trabalhar. Como trabalhar nem sempre é possível, resolvi pedir esmola, antes que fosse obrigado a roubar. Pedir dá menos trabalho.
Barata: – É por isso que o senhor pede?
Mendigo: – O senhor conhece a história do mundo?
Barata: – Não.
Mendigo: – Antigamente, tudo era de todos. Ninguém era dono da Terra e a àgua não pertencia a ninguém. Hoje, cada pedaço de terra tem um dono e casa gota de àgua pertence a alguém. Quem foi que deu? Ninguém. Os espertinhos, no começo do mundo, tomaram de conta das coisas e inventaram a justiça e a polícia para prender e processar os que vieram depois. E hoje, quem tentar tomar de conta das coisas deles será condenado.
Barata: – Mas quem foi que deu a eles o que era de todos?
Mendigo: – Ninguém. Pergunta para o dono do terreno nas avenidas se ele sabe explicar porque o terreno é dele...
Barata: – Ele vai dizer que comprou do antigo dono.
Mendigo: – E o antigo dono?
Barata: – Comprou de outro...
Mendigo: – E assim sucessivamente... Mas o primeiro dono, comprou de quem?
Barata: – Ninguém, simplesmente tomou de conta.
Mendigo: – Com que direito? Naquele tempo não tinha leis. Depois que um pequeno grupo dividiu tudo entre si, é que se