Crime e cotidiano
A visão que o senso comum tem do passado, em geral, afirma a tranquilidade dos tempos antigos, quando se podia andar na rua tranquilamente e as famílias mantinham suas casas destrancadas. Essa visão idílica da criminalidade de um tempo passado, que cada nova geração afirma ser o do a seus avós, pode ser vislumbrada - para ser questionada ou confirmada - no livro do historiador Bóris Fausto, Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). O livro fala de um tempo em que os "vilões" não são os traficantes de drogas ou os sequestradores, mas caftens, gatunos, anarquistas e imigrantes.
O período analisado, de 1880 e 1924, é de intenso crescimento populacional da cidade de São Paulo. De pequeno núcleo urbano em 1880, com 35 mil habitantes, a cidade vivencia uma grande expansão no final do período, com 600 mil habitantes. Nela, juntam-se à aristocracia cafeeira e aos escravos, libertos em 1888, uma grande massa de imigrantes estrangeiros , todos habitando uma cidade cada vez mais industrializada. Imigrantes e libertos vão formar a maior parte do contingente pobre da cidade, vivendo nas vilas operárias e nos cortiços.
Essa é uma das virtudes do livro de Fausto, não ater-se aos casos famosos e folclóricos como o crime da mala, mas debruçar-se sobre a vida cotidiana e a grande massa de processos judiciais. Cruzando dados estatísticos com os relatos dos processos e notícias de jornais da época, Fausto constrói um rico quadro, em que transpiram as vidas atravessadas pelas engrenagens do sistema penal. Historiador experiente, Fausto mantém uma constante atitude de dúvida com relação aos fatos apresentados pelas estatísticas, pois sabe da relatividade da realidade expressada por elas, consciente de que muitos crimes não são informados, que os critérios de classificação policial mudam com o tempo e que atividades mais repressivas podem significar aumento nos índices.
São as análises em profundidade, em que os diferentes relatos sobre