Contos de dormir - um para cada noite do ano
Esquecemo-nos de dizer que ao lado do moleiro ia o filho do moleiro e ao lado do carvoeiro, o filho do carvoeiro. Nesse tempo também, os filhos dos moleiros não tinham outro destino senão ser moleiros e os filhos dos carvoeiros não podiam ambicionar outra vida senão ser carvoeiros. – Ó pai, já viste aqueles dois tão sujos que ali vão? – disse o filho do moleiro para o moleiro.
O filho do carvoeiro ouviu o comentário e não gostou.
Aliás, o pai também não gostou.
– Sujos vão eles – lançou o garoto do carvoeiro.
Carvoeiros e moleiros pararam na estrada, enfrentando-
-se com ar de poucos amigos. Quem está sujo, quem não está sujo, o certo é que, depois de algumas más palavras trocadas em despique, os dois miúdos engalfinharam-se à zaragata. E os pais atrás deles.
Mãos que ameaçam, murros que se cruzam, joelhadas que fervem, e os que estavam brancos ficaram manchados de preto e os que estavam pretos ficaram manchados de branco. De mistura com o pó da estrada, uma nuvem cinzenta – cinzenta de carvão e farinha – rodeou os contendores. Correu gente dos campos próximos a apartá-los. Não foi sem custo que os separaram, magoando-se tanto os que pediam paz como os que faziam guerra. Então um velho de respeitáveis barbas, que com os outros camponeses acudira à contenda, falou assim:
– Tão tolos são os filhos como os pais. Vejam-se agora, reparem nos nossos fatos e digam se não estão mais sujos do que estavam?
Realmente já se não distinguia qual o moleiro e qual o carvoeiro. – Se tivessem dado um abraço, em vez de bulharem, o resultado teria sido o mesmo – continuou o velho. – E, realmente, porque se não hão-de abraçar estes trabalhadores honrados, orgulhosos da profissão que escolheram e dos fatos de trabalho que envergam? Vá, dêem um