Conto: Amor na metade dos noventa
Estamos na sala. É para lá das duas da madrugada e não insisto em sair. Dízio, comprido e seco, cabelo e barba escorridos, dentes escuros de cocaína, mas riso sempre aberto, atento para o bote em todas as fêmeas, seja do irmão, do pai, do filho ou do Espírito Santo. Laureta, tesouro decadente de nossa geração: minissaia mínima e farto tórax seminu – exemplo de dissipação. Depois de muito teatro alternativo, vivem de organizar festas para crianças. Sempre pasmo ao imaginá-los fazendo mágicas e gracinhas para a gurizada nos playgrounds.
Conhecimento de anos. Chegamos ao degrau de onde todos os assuntos escorregam. Sabemos o que somos, fazemos e dizemos. Pouco falamos, embora teimando o dolorido resgate do paraíso sonhado. Agarramos as raras chances de nos iludir de que o nirvana esteve perto. Tentativas de minorar o sofrimento do ramerrame de cada dia. Dependemos das lembranças do vivido.
Naquela noite, Dízio se esforçou o que pôde. Tentou todos os papos- cabeça de seu repertório. Veio até de poesia, sabedor de minha paixão. Citou uns californianos frouxos, herdeiros de Guinsberg e arranhou Dylan Thomas, mas, fracassada a intenção, desistiu.
Mais cedo, vieram para a mesa do bar e, esgotados brindes e rememorações possíveis, esbarramos no convite inevitável:
Fechamos lá em casa – ele determinou.
Acontece que a barra do Dízio é pesada. Demais para qualquer um de nós. Serviu dois brancos franceses gelados de autêntica procedência e surpreendente aparição. Armou leros bordados de sorrisos, bateu duas carreiras e se chapou em sono de ronco, no sofá. Contrariando CDs, ouvíamos vinis na vitrola, com os chiados costumeiros: Jamelão e sucessivos Lupicínios. É aí que descerro os olhos e, em sombra, permeando a penumbra azul de um saxofone abajur, sinto e vejo: Laureta pousou a palma em minha coxa esquerda e seus dedos acariciam-me. Fixo melhor o olhar e enxergo sua outra mão entre as pernas abertas de minha