Comportamentos de Risco
A Igreja é forte e insistentemente criticada, desde o início da intriga. A construção do convento, tema nuclear da obra, fica a dever-se a uma promessa real, visando assegurar a descendência do monarca que, juntamente com a rainha, obcecados pela ideia da necessidade de um herdeiro, sempre rezam antes da prática sexual para que não morram no acto carnal (página 16).
É mesmo lançada, pelo narrador, a dúvida sobre a eficácia da promessa real: «não se vá dizer que... virtuoso Frei António» (página 26).
A sátira religiosa, ora em tom parodístico, ora em tom irónico, ocupa, no tempo litúrgico da Quaresma, um primeiro exemplo de aproximação paralelística, por antítese, entre nobres e plebeus, neste caso entre a rainha, oriunda de Viena, e as mulheres de Lisboa: «É a Quaresma sonho de uns e vigília de outros» (página 33).
Paradoxalmente, a penitência quaresmal, que inclui as práticas da autoflagelação, da abstinência e da devoção religiosa, acaba por degenerar em novos pecados da carne, como se de uma autêntica obsessão se tratasse: « Assim maltratadas as carnes ... está felizmente louco desde que nasceu.» (páginas 30 e 31).
Esta vigília pecaminosa das mulheres de Lisboa encontra o correspondentedeslize erótico do sonho progressivamente incestuoso da rainha, em contraste com: «a maníaca devoção com que foi educada na Áustria, e a cumplicidade que deu ao artifício franciscano, assim mostrando ou dando a entender que a criança que em seu ventre se está formando é tão filha do rei de Portugal como do próprio Deus, a troco de um convento» (página 31).
Além disso, verifica-se que a rainha é caracterizada por um fanatismo quase demencial.
Ponto alto da sátira político-religiosa, o auto-de-fé ou solene julgamento/execução do tribunal da Inquisição, constitui ocasião e motivo singulares para uma ácida crítica comum, à rainha e ao povo.
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