Complexidade humana
Volto agora ao problema humano. Quando falamos do homem, sentimos que nos referimos a algo genérico e abstrato. O homem é um objeto estranho, algo simultaneamente biológico e não-biológico. Com a maior comodidade, estudamos o homem biológico no departamento de biologia e o homem cultural e psicológico nos departamentos de ciências humanas e de psicologia. O homem tem um cérebro, que é um órgão biológico, e um espírito, que é um órgão psíquico. Acaso alguma vez ambos se encontram? O espírito e o cérebro não se encontram jamais. As pessoas que estudam o cérebro não se dão conta de que estudam o cérebro com seu espírito. Vivemos nesta disjunção que nos impõe sempre uma visão mutilada. Mas, além disso, o homem não é somente biológico-cultural. É também uma espécie-indivíduo; o ser humano é de natureza multidimensional. Por outro lado, esse homem, que nossos manuais chamavam homo sapiens é ao mesmo tempo homo demens. Castoriadis disse: “ O homem é esse animal louco cuja loucura inventou a razão”. O fato é que não se pode estabelecer uma fronteira entre o que é sensato e o que é louco. Que é, por exemplo, uma vida sensata? É uma vida na qual se presta muita atenção em não tomar vinho, não comer molhos, não sair, não viajar em avião, não correr nenhum risco para conservá-la o maior tempo possível? Ou é uma vida de consumo, de gozo, de embriaguez, na qual se arrisca perder a vida? Evidentemente, ninguém pode dar resposta a esta pergunta. Nesse homem que é sapiens e demens, há uma mescla inextrincável, um pensamento duplo: um pensamento que chamaria racional, empírico, técnico, que existe desde a pré-história e é anterior à humanidade (posto que os animais executam atos empíricos, racionais e técnicos), mas que, evidentemente, o homem desenvolveu. Também temos um pensamento simbólico, mitológico, mágico. Vivemos permanentemente em ambos os registros. Não se pode suprimir a parte dos mitos, as aspirações, os sonhos, a fantasia. Todos os que se interessam