Cirugias feitas
Antonio Lino
Em meados dos anos 70, dois caciques da nação xavante vieram visitar a cidade de
São Paulo. Levados para passear, os índios andaram de metrô, caminharam pela
Avenida Paulista, foram ao shopping center e conheceram o mercado municipal, abrigado num prédio histórico no centro da capital paulista.
Os caciques, cujo parâmetro de riqueza era a quantidade de alimento disponível para a tribo, e não a quantidade de dinheiro, ficaram boquiabertos com as pilhas e pilhas de frutas, legumes, cereais e verduras.
Começaram a andar por entre as pilhas e caixas até que um deles parou diante de um menino de uns 10 anos de idade que catava do chão verduras e frutas amassadas, estragadas e sujas, e as colocava num saquinho plástico.
O diálogo que se segue, entre o índio e as pessoas que o acompanhavam, é relatado pelo filósofo e educador Mário Sérgio
Cortella:
“O que ele está fazendo?, perguntou o cacique. A resposta foi a “óbvia”: Ele está pegando comida. O cacique ficou meio pensativo e voltou a perguntar: Não entendi. Por que o menino está pegando aquela comida podre se tem tanta coisa boa nas pilhas e caixas? Outra resposta evidente: Porque para pegar nas pilhas precisa ter dinheiro. Insiste o xavante: E por que ele não tem dinheiro? Réplica enfadonha do civilizado: Porque ele é criança! Torna o índio: E o pai dele? Tem dinheiro? Outra obviedade: Não; não tem.
Questão final: Então, não entendi de novo.
Por que você que é grande tem dinheiro e o pai do menino, que também é, não tem? A única saída possível foi responder: Porque aqui é assim!”
O relato, como adverte o próprio Cortella, não tem pretensões moralistas e nem é sua intenção exaltar um modelo indígena de existência. Na verdade, ele serve para ilustrar e ressaltar um aspecto muito
perverso, e ainda muito atual, da cultura do nosso país.
O Brasil sempre esteve entre as 10 maiores economias do planeta. Ao mesmo tempo, mais de 50 milhões