Choro subdesenvolvido
Talvez eu devesse economizar as lágrimas de agora
Para as lágrimas de amanhã
Talvez eu devesse economizar a verborragia de agora
Para a verborragia de amanhã
E devesse deixar a metade do medo de agora
Para pode temer amanhã.
E devesse esquecer de quem sou agora
Para poder ser um pouco amanhã
O amanhã virá
As lágrimas,
A verborragia e o medo virão
E depois de amanhã
Depois do mundo rodar
Depois do galo cantar
Depois da dama-da-noite cheirar
Depois do café esfriar
Depois do queijo envelhecer
Depois de amanhã
Nem sei o que há de ser.
Mas fico quieto,
Quarto escuro.
E penso nas ruas sozinhas
Elas descansam dos sapatos,
Das rodas e dos cuspes.
Penso nas nuvens, na poeira
E o mundo não pensa em mim.
Penso nesta cidade lotada, entupida
Pulsante, arreganhada,
Como um corte podre e com moscas
Larvas que lavram de terno no enxofre
Homens que rastejam e comem carne podre
A cidade é um corpo cansado
Eu sou sem saber, um pequeno tumor
Somos todos pequenos tumores
Milhares de tumores, milhões de tumores
Encharcados de tumores, todos os lados
Porém, somos tumores isolados, sozinhos,
Calados.
E ao parar e ascender um cigarro esquecido
Escuto o som que vem lá de baixo
Um inquieto urro contínuo
Crianças querem leite, velhos querem sopa
A mulher quer um pau,
O homem quer dinheiro
As balas querem corpos
E os corpos querem gordura
As gorduras querem ossos
E os ossos, lacunas.
O cigarro queima em compassos
E a mulher do vizinho está apanhando
Ouço sua cabeça batendo na parede
Seus gritos, seus chutes, seu medo
Ouço sua mente a pensar na infância
Na porrada do pai na cara da mãe
Ouço se refugiar num campo distante
Que quando era criança, roubava flores amarelas.
Posso ouvir também as flores amarelas
E as abelhas , seu mel, seus favos
Busco uma explicação para as ameaças da Coreia
Busco uma resposta para uma Emenda Constitucional
É tudo uma tentativa, um suicídio,
Tudo um gelo num copo de