Certa Manh
- Diz a tua mãe que te vista o fato novo para ires tirar o retrato.
Admirei-me:
- Mas hoje não é dia dos meus anos...
- Pois não. Mas lá em Beja precisam de dois retratos teus. É para te identificarem.
- Identificarem?
- Sim. Para saberem que és tu e não outro.
- Não percebo - recomecei, desconfiado.
- Como podem eles supor que vai outro em meu lugar?
Daqui por diante, a conversa complicou-se de tal modo que meu pai perdeu a serenidade; gritou-me:
- Faz o que te digo, rapaz!
Fiz. Nada mais havia a replicar quando meu pai me chamava rapaz. Era uma regra que, à custa de alguns sopapos, eu acabara por introduzir nas nossas relações. Respeitando a regra, fui, pois, a minha mãe, que me vestiu de ponto em branco.
Daí a pouco, com grande escândalo dos meus amigos, passei pelo largo, a caminho de casa do Sr. Rodrigo. Passei vestido «à mamã», expressão que entre nós designava, não apenas o fato, mas cer¬tos rapazitos, medrosos e tímidos, quase sempre vestidos daquele modo e que, por isso, achávamos que não sabiam brincar nem prestavam para nada. A peça de roupa que mais caracterizava um «mamã» era o colarinho gomado aberto sobre o casaco e tapando-o até aos ombros. E eu, tido e respeitado como um rapaz às direitas, lá ia de enorme colarinho de goma, ao fado de meu pai.
Nem olhava para ninguém.
E, ainda hoje, após tantos anos, sinto vergonha. Não já pela gola, mas pelo rosto de estarrecido espanto com que fiquei no retrato.
As coisas são como são - não ternos que nos queixar. A horrível fotografia aí está na primeira folha da minha caderneta de aluno do liceu. Sempre é um documento que gostamos de mostrar às pessoas conhecidas, e eu estou impedido de fazê-lo. Não quero que vejam aquela cara. Principalmente depois que, por um acaso infeliz, Delinha, a rapariga que eu amo, a folheou: - Como tu eras...! - exclamou ela, surpreendida.
Ora esta impressão a meu respeito não corresponde à verdade. A culpa de tudo foi de eu ter