Cards
O que o seriado House of Cards, da Netflix, o de maior sucesso da atualidade, tem em comum com O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, obra que inaugurou o pensamento político moderno? Ora, ambos tratam de política, mas o que eles ressaltam é o pragmatismo de um fazer político que se dá a despeito da ética. A frase ícone do maquiavelismo “os fins justificam os meios” deixa isso bem claro.
A grande realização do escritor e diplomata renascentista foi esclarecer que, ao contrário do que se pensava até o ocaso da Idade Média, o verdadeiro poder político não se exercia consoante aos preceitos religiosos e morais; que isso era só uma aparência. Maquiavel foi revolucionário ao destruir uma arraigada e estratégica ilusão. Entretanto, foi reacionário na medida em que, despindo o poder de sua fantasia medieval, legitimou a velha nudez do exercício do poder político escondida sob ela. Doravante os príncipes podiam agir como sempre, só que livres do pesado manto divino e da longa capa de suas próprias decisões.
Beau Willimon, criador de House of Cards, também encena a crueza do exercício do poder político alienado dos valores éticos, bem como de quaisquer valores que se interponham em seu caminho. Frank Underwood, o príncipe do seriado, enxerga o poder em sua forma pura, desnudado de qualquer costume. Portanto, traições, assassínios e, sobretudo, o alheamento absoluto em relação aos cidadãos que ele governa não representam mal algum, mas procedimentos disponíveis e valiosos à conquista e à manutenção do que para ele é o bem maior: o puro poder.
Assim como Maquiavel, Willimon também encerra uma dialética entre revolução e reação. Por um lado, colocando seus telespectadores em contato com uma sordidez política cujo disfarce revelado ora é o devaneio da democracia, ora a quimera da justiça. Há um quê de revolucionário em arrancar o pomposo figurino da diva em cena aberta, pois sem tantos artifícios se pode analisar a verdade de sua atuação. Porém, por outro lado,