Carandiru
Dráuzio Varella
Carcereiros Desde pequeno sou fascinado por cadeias. Descobri essa atração nos programas de rádio e nos filmes em branco e preto a que tive ocasião de assistir nas matinês de domingo nos cinemas do Brás, antigo bairro operário de São Paulo. Os filmes de cadeia provocaram em mim emoções tão fortes, que até hoje me lembro deles. Quando tinha dez anos, assisti a Brute Force, filmado numa velha prisão em que Burt Lancaster chefiava um plano de fuga frustrado pela delação de um companheiro. Quarenta anos mais tarde voltei a vê-lo em vídeo: as cenas me eram de tal forma familiares, que eu era capaz de me antecipar às falas dos personagens. O Brás era cinzento, com ruas de paralelepípedos, cortiços abarrotados de crianças, chaminés de fábricas, sirenes e operários com marmitas a caminho do trabalho. Italianos, espanhóis e portugueses fugidos da fome e das guerras na Europa formavam a paisagem humana que sentava em cadeiras na calçada, nas noites de verão, para falar da vida nas aldeias onde haviam nascido e dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. 13317-miolo-carcereiros.indd 13 9/4/12 5:00 PM14 Naquele tempo sem televisão, quem conseguia comprar um rádio fazia a gentileza de dividi-lo com a vizinhança. De manhã, nas casas coletivas, o aparelho era colocado na janela da proprietária para que as demais mulheres acompanhassem as vozes melosas das novelas da Rádio São Paulo, enquanto lavavam roupa no tanque, varriam, enceravam e passavam o escovão no quarto em que a família morava. Quarta-feira à noite, meu tio Constantino juntava os amigos na cozinha para ouvir O Crime Não Compensa, programa da Rádio Record que dramatizava as peripécias dos criminosos mais temidos da cidade. De calça curta, eu ouvia com a respiração presa as aventuras de Sete Dedos, Amleto Meneghetti, Dioguinho, Boca de Traíra, Massacre, Pereira Lima, Jorginho e Promessinha, invariavelmente mandados para detrás das grades pela diligente polícia paulistana, para