- No mundo do crime, a palavra empenhada tem mais força do que um exército. Não é objetivo deste livro denunciar um sistema penal antiquado, apontar soluções para a criminalidade brasileira ou defender direitos humanos de quem quer que seja. Como nos velhos filmes, procuro abrir uma trilha entre os personagens da cadeia: ladrões, estelionatários, traficantes, estupradores, assassinos 10 e o pequeno grupo de funcionários desarmados que toma conta deles. A narrativa será Interrompida pelos interlocutores, para que o leitor possa apreciar-lhes a fluência da linguagem, as figuras de estilo e as gírias que mais tarde ganham as ruas. Por razões éticas, os casos descritos nem sempre se passaram com os personagens a que foram atribuídos. Como diz a malandragem: - Numa cadeia, ninguém conhece a moradia da verdade. 11 ESTAÇÃO CARANDIRU - Cadeia é um lugar povoado de maldade. Pego o metrô no largo Santa Cecília, na direção Corinthians-Itaquera, e baldeio na Sé. Desço na estação Carandiru e saio à direita, na frente do quartel da Pm. Ao fundo, a perder de vista, a muralha cinzenta com os postos de vigia. Vizinho do quartel abre-se um pórtico majestoso: CASA DE DETENÇÃO, EM letras pretas. O portão da rua leva a um pátio de estacionamento lotado de carros. Por ele circulam advogados, mulheres com sacolas e funcionários corpulentos de calça jeans que falam do trabalho, riem uns dos outros e mudam de assunto quando um estranho se aproxima. Há que cumprimentá-los com decisão; caso contrário, dá vontade de gritar de dor quando a mão é esmagada no aperto. Trinta passos para dentro fica o predinho da Administração, fechado por um portão verde no qual se acha recortado um portãozinho para pedestres. Para entrar, não é necessário bater; bastá aproximar a cabeça da janela do portãozinho que por telepatia o rosto do porteiro aparece mal iluminado, lá dentro. A abertura obedece à velha rotina das cadeias, segundo a qual uma porta só pode ser aberta quando a anterior e a se guinte forem