Canudos
Silvia Beatriz Adoue*
Resumo: Este trabalho estuda a experiência social de Canudos, no sertão da
Bahia, entre 1893 e 1897, reconhecendo formas de sociabilidade que, apesar de vividas no passado, anunciam possibilidades futuras. Formas estas que estão presentes nos acampamentos e assentamentos da reforma agrária no Brasil, e que são germes de relações comunistas.
Palavras-chave: História, Movimentos Sociais, Canudos, Bahia, Brasil.
De 1893 a 1897, no sertão de Bahia, erigiu-se uma cidade com 30 mil almas.
Dedicada à agricultura e à criação de carneiros e cabras, o resultado da produção social era distribuído segundo a necessidade de cada um. A cidade foi destruída e seus moradores exterminados após quatro campanhas militares. Mas o fulgor de
Canudos ilumina nosso presente com traços de possibilidades futuras.
Muito foi discutido a propósito das condições históricas específicas que favoreceram esta experiência. Costumase esgrimir essas especificidades como argumento contra aqueles que vemos em Canudos fulgores de porvir. A singularidade desta épica, no entanto, assinala outra conclusão: traços das relações humanas que floresceram em
Canudos, sob o sol impiedoso e sobre uma terra castigada pela ameaça anual da seca, são uma aspiração bem mais universal. Depois da conquista, a colônia portuguesa fornecia ao mercado mundial insumos e produtos semimanufacturados em grande escala. A “procissão dos milagres”1 em direção a
Europa foi alimentada pelo fluxo do tráfico de escravos durante séculos, mas nunca tão intenso como no período de 1822 a
1850. E, de todos os “milagrosos“ produtos do trabalho escravo, o açúcar foi aquele que permaneceu com um fluxo mais duradouro por todos os séculos que durou a dominação portuguesa e depois da independência.
Nos estados do nordeste, as fazendas de cana, grosso modo, combinavam o cultivo de cana e a usina de produção de açúcar com a criação de rebanhos,